Tuesday, December 20, 2005

A Gringa

A Gringa

Noite quente de verão, janeiro, sabadão, Cidade Maravilhosa. Todos os caminhos levavam ao Baixo Leblon para um - ou vários – chopes com os amigos. Outro fator decisivo para o rumo a ser tomado, era a eterna falta de grana que assolava permanentemente aquele jovem de 17 anos, nos já distantes anos 80. Uma ida ao Baixo não custava mais do que o trocado para a passagem de ônibus e cerveja.
Após vencer a preguiça e o sofá que o convidavam para ficar esparramado assistindo ao Faustão no Perdidos na Noite, ele se encaminhou para o ponto na Praia de Botafogo. Entrou no coletivo semi-vazio, sentou e ficou pensando na morte da bezerra.
Chegando em Copacabana, uma visão dos céus chamou sua atenção: uma loirinha, branquinha, mas já bronzeada por alguns dias de Rio de Janeiro, com aquele visual largadinho, quase hippie, que o deixava pra lá de apoplético, entrou no coletivo.
Como ele já – infelizmente - esperava, a menina nem reparou na sua presença e sentou mais à frente.
Quando o 584 (Cosme Velho-Leblon) chegou em Ipanema a visão do céu foi perguntar alguma coisa ao motorista. O motorista não entendeu patavina do que a gringa dizia, para alegria imensa de nosso personagem, que pensou: “Beleza! Finalmente minhas aulas de inglês no IBEU vão servir pra alguma coisa além de traduzir letras de bandas de rock. Daqui a pouco eu puxo papo com ela e dou uma de guia turístico. Afinal, qualquer gringa perdida nos trópicos pelo menos arranha um inglesinho básico”.
Um outro problema que poderia afetar nosso herói seria sua timidez devastadora com as mulheres. Especialmente as “loirinhas, branquinhas, mas já bronzeadas por alguns dias de Rio de Janeiro...”
“Bem, deixa isso pra lá”, ele pensou, “larga de ser vacilão, a menina nem é daqui. Se rolar um fora, ninguém vai ficar sabendo mesmo”.
Quase chegando no Baixo Leblon a sueca levantou-se e tocou a campainha para descer. Ele imediatamente pulou da cadeira, foi atrás, e saltou no mesmo ponto.
A partir de agora nossos personagens conversam em inglês, mas o texto do conto segue em português mesmo...
- “Ei, desculpa a intromissão mas para onde é que você está indo?” Ele perguntou.
- “Pro Baixo Leblon”, repondeu a dinamarquesa em um inglês com sotaque pra lá de carregado.
Baixo Leblon é o caramba, ele pensou. É ruim que vou levar essa gracinha pra encontrar aquele bando de amigos meus que, com certeza, essa hora, já vão estar por lá enchendo a cara. Vão todos cair matando em cima dela.
- “Olha só”, ele disse com a expressão mais cândida e inocente do mundo, “Baixo Leblon é armadilha pra turista desavisado, tipo show de mulata ou pagode no Calçadão de Copacabana. Se você quiser, posso te levar pra um boteco pertinho do Baixo só que com espírito muito mais carioca. Você vai curtir, sei que você não é dessas turistas típicas”. Ela tem que aceitar, tudo pra afastá-la dos meus muy amigos gaviões, por favor...
- “Puxa, que legal”, respondeu a norueguesa com seu inglês precário. “Não gosto mesmo dessas coisas muito óbvias. Quando visito uma cidade, curto conhecer os lugares freqüentados pelos moradores no seu cotidiano”.
Yes, deu certo! Ele pensou com extrema felicidade. Com aquela pinta de mochileira, é claro que a menina ia ser chegada a um programa alternativo.
Depois de caminharem conversando amenidades durante uns cinco minutos, chegaram ao Tio Sam, boteco que, apesar do nome suspeito, era freqüentado por boa parte dos intelectuais barrigudos de esquerda com mais de cinqüenta anos do Rio de Janeiro.
Ótimo! Nem concorrência vou ter aqui, foi o pensamento que passou pela cabeça do nosso inseguro herói.
A finlandesa fez uma cara de extrema aprovação ao chegar no bar.
Ele não pôde deixar de reparar na expressão da garota. Sabia! Essas gringas adoram esses lugares. Quanto mais pé-sujo, mais elas gostam.
Sentaram, cumpriram o ritual dos vários chopinhos e papos culturais em geral e... chegou a pior hora para ele. “Se eu não der um beijo nela agora, não dou nunca mais, o tempo urge”.
Com um movimento não muito gracioso, nosso carioca não tão esperto assim, praticamente derrubou os dois chopes que estavam em cima da mesa e tascou um beijo na holandesa.
Agora, eles começam a conversar em português(!)...
- Nossa! Exclamou a russa, surpreendida pelo beijo (que, pelo menos, foi correspondido).
- Peraí, ele disse, o que você falou?
- Falei “nossa”, ela respondeu.
- Como “nossa”? E como é que estamos conversando em português?
- Ué? Eu sou brasileira, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
- Mas por que você estava conversando comigo em inglês?
- Só te respondi. Esqueceu que você que veio puxar papo comigo em inglês?
- Eu fui falar com você em inglês porque percebi que o motorista não entendeu nada do que você disse.
- Ah! Não foi isso não. Eu perguntei pra ele se ele sabia onde era o Baixo Leblon e ele respondeu que não, porque era novo na linha.
Depois de alguns segundos, só restou a ambos caírem na gargalhada.
- Mas peraí também - ela disse - só porque sou branquinha tenho que ser gringa?
- E eu então? Moreno desse jeito... Tenho cara de estrangeiro?
- Sei lá, você podia ser algum grego ou italiano do sul...
Bem, nossos heróis não tiveram filhos juntos, não casaram, nem viveram felizes para sempre. Mas, nas férias seguintes, em julho, ele foi pra Santa Maria, onde beberam muito vinho, conversaram muito mais e descobriram que ainda existe muita gente bacana por esse mundo afora.

Sunday, December 18, 2005

Elo

O Maracanã estava vazio naquela quarta de julho. O friozinho, aliado à campanha apenas regular do Flamengo no campeonato brasileiro, ajudava a espantar o público. Só os fanáticos de sempre estavam no estádio cinquentão para assistir ao jogo contra o Bahia.
Ele, obviamente, estava lá, sozinho. Era quase um ritual: o Flamengo jogava, ele marcava presença. Foram incontáveis brigas com namoradas, ausências em festas de casamento de amigos... Tudo trocado pela satisfação inigualável de ver o time em campo. Há pouco mais de um ano então – desde a morte do pai – que as idas ao estádio ficaram ainda mais doces. O pai sempre fora um tipo calado, o Flamengo era o ponto de conexão dos dois, um dos poucos assuntos dos quais eles não discordavam. Cada nova visita ao Maracanã o enchia de uma certa melancolia, a lembrança da figura paterna.
Para falar a verdade, sua vida e o Flamengo corriam juntas, era possível traçar um paralelo entre as glórias rubro-negras e os feitos nem tão gloriosos da sua vidinha.
Bola rolando e o time jogava bem, imprensando os visitantes baianos, o primeiro gol até demorou a acontecer, só aos 45 minutos do primeiro tempo. Ele lembrou da primeira vez em que assistiu a um clássico no estádio: Flamengo 3X0 Botafogo, no distante ano de 1979. Ele era um garoto de onze anos: jogava bola no playground do prédio, furtava bala nos supermercados e via as meninas com uma mistura de fascínio e medo.
Intervalo: Flamengo 1X0 Bahia
Começou o segundo tempo e o panorama do jogo – felizmente - não se alterou: era o Flamengo apertando e o Bahia se defendendo.
Com 12 minutos de bola correndo, o segundo gol. À lembrança veio a final do Mundial de Clubes em 1981: Flamengo 3X0 Liverpool, um sonho realizado, o seu time Campeão do Mundo. Ele, com 13 anos, começava a descobrir os “fatos da vida” e o fascínio pelas garotas começava a superar o medo.
Mais oito minutos e o terceiro gol rubro-negro. Dessa vez ele se recordou do tricampeonato brasileiro conquistado em 1983. Ele não sabia muito bem por que, mas nesse jogo ele tinha uma recordação muito viva da alegria no rosto do pai. Aquela foi uma época boa, mas confusa. Eram os primeiros amassos, uma ansiedade louca em perder a virgindade (estado obviamente escondido dos amigos) e inseguranças mil ligadas à adolescência, que mudava seu corpo e interesses com uma velocidade fantástica e assustadora.
Aos 30 minutos, a goleada se desenha de vez: 4X0 para os cariocas. Gol do centroavante Jean, que o fez lembrar de um outro atacante, o franzino Bebeto, autor do gol do quarto campeonato brasileiro, conquistado em 1987. Ele gostava do futebol do Bebeto, rápido e habilidoso, como o seu, que ele exibia em peladas nas areias do Posto Nove, na Praia de Ipanema, durante o célebre “verão da lata”. Bons tempos... Primeiro ano de faculdade e o mundo de braços (e pernas) abertos à frente.
Bola cruzada na área dos visitantes, 39 minutos do segundo tempo, o zagueiro Fernando sobe e faz mais um: 5X0. O quinto gol, que remete à lembrança óbvia do quinto título nacional, conquistado em 1992. Ele estava recém-casado, mas o pouco tempo de vida em comum já tinha sido bastante para mostrar que o casamento não iria muito longe. E, realmente, não foi. Mais seis meses e ele já “curtia“ a solteirice de novo.
Fechando a tampa do massacre, o Flamengo fez seis a zero aos quarenta e cinco minutos. Ele lembrou da última grande alegria vivida no estádio: a conquista do tricampeonato estadual em cima do Vasco, em 2001, dois meses antes da doença do pai começar a se manifestar. Impossível conter uma lágrima ao lembrar da longa e cruel doença do velho. Lágrima que contrastava com a alegria da torcida no Maracanã.